Essa afirmação não é exagero, principalmente quando observamos que as mudanças climáticas começam a trazer efeitos assustadores.
A primeira pergunta que se faz é: existe espaço para uma mudança tão “radical”? Afinal, a maioria das nossas cidades surgiram e cresceram sem essa preocupação, que agora é tão urgente.
A boa notícia está aqui: existe um caminho próspero e já conhecido, a arquitetura indígena.
Neste artigo, vamos analisar estruturas criadas por povos indígenas que podem inspirar outras culturas e ser o caminho para um presente mais sustentável e futuro mais feliz.
Cultura Ambiental
A maioria dos povos indígenas tem como características o entendimento de que a humanidade e o meio ambiente são parte de um todo. Essa compreensão permite uma apropriação mais sensível dos territórios, com uma visão que busca usufruir dos recursos presentes e a diminuição do impacto da ocupação. A natureza não é vista como um recurso e sim como parte da comunidade.
É interessante perceber como essa visão acompanha muitos povos espalhados pela América, o que varia muito a arquitetura, que se molda de acordo com o tipo de terreno, vegetação, clima ou outro aspecto natural do território.
Por exemplo, as moradias tradicionais indios Guarani – o maior grupo étnico do Brasil – geralmente têm sua estrutura principal feita de troncos de árvores conectados por trepadeiras. A parede é de pau a pique, com vigas de madeira, e revestimento de folha de palmeira, o piso é de terra batida. Essa gama de materiais naturais e regionais indica que não é apenas uma questão de saber que eles existem, mas de dominar a geografia e a biologia para entender onde, quando e como obtê-los. A palha, por exemplo, apresenta um procedimento sociológico detalhado para sua remoção, de modo a não danificar a palha e, posteriormente, a próxima safra.
Claro, neste exemplo devemos pensar no aspecto da durabilidade, uma vez que exigiria uma manutenção periódica pelos elementos utilizados. Porém, muitas dessas culturas são nômades e entende essas moradias como temporárias. Mesmo assim, é possível perceber como essas estruturas se mantêm em pé e, mesmo abandonadas, naturalmente se reincorporam à natureza, evitando grandes impactos.
Além dos materiais, é incrível observar o conhecimento sobre clima, que se torna uma ferramenta passiva, aumentando o conforto térmico. Um exemplo é a criação de generosos beirais corretamente orientados em relação ao caminho do sol, protegendo da luz e também da chuva direta, com inclinações de telhado que variam de acordo com o clima inclemente.
Isso é um pequeno recorte de um dos muitos povos que colocam em prática o conceito de sustentabilidade que buscamos trazer para nossas cidades.
Como pode nos inspirar?
“Dá-se muito valor à tecnologia de ponta. Os índios usam o design como tecnologia e conseguem proporcionar excelente conforto em suas casas usando apenas materiais como palha e madeira – baixo custo com altos resultados”, diz José Afonso Portocarrero em uma conversa com uma revista especializada no assunto. Portocarrero é escritor do livro “Tecnologia Indígena em Mato Grosso: Habitação”, publicado pela editora Entrelinhas, no qual faz uma provocação necessária e estimula a reflexão sobre a questão indígena no país. Ele também contribui para a formação de novos arquitetos ao ministrar uma disciplina optativa chamada “Arquitetura Vernácula: Introdução à arquitetura indígena do Brasil”.
Portocarrero é responsável pelo premiado projeto do Centro Sebrae de Sustentabilidade (CSS), localizado em Cuiabá, Mato Grosso. Referência em sustentabilidade, o edifício ganhou dois prêmios mundiais de construção sustentável, o Breeam Awards.
Realizado em Londres, o concurso concedeu ao edifício o prêmio de melhor edifício sustentável na categoria “Nova Construção em Uso nas Américas” e melhor edifício sustentável da premiação, eleito por voto popular digital.
Foi construído em concreto aparente, tem fachadas de vidro e vantagens como: conforto térmico, aproveitamento máximo da luz natural, cobertura em duas camadas, que permite o resfriamento interno do prédio e a coleta da água da chuva – depois de filtrada é armazenada para uso na irrigação do jardim, lavagem de pisos e banheiros.
Um outro exemplo vem do projeto realizado pelo arquiteto Lula Gouveia, do SuperLimão Studio. Ele teve uma experiência direta com a tribo indígena do Xingú e se inspirou nas construções das aldeias para o projeto da Toca do Urso, da Cervejaria Colorado em Ribeirão Preto (SP)
Nesta construção, o objetivo foi aproveitar o que já existia no entorno, como a copa de duas árvores de grande porte que fazem sombra na área durante boa parte do dia. Seu grande salão circular foi enterrado e a terra retirada do solo foi transferida para formar um declive de 3 metros ao redor do salão central, criando uma grande barreira de inércia térmica, como nas cavernas. O projeto não tem tetos, de modo que sempre é possível ver o jardim e o céu de qualquer ponto do espaço. O equilíbrio entre a luz natural e a artificial é obtido por meio de clarabóias e bandejas de luz.
As paredes de tijolos, por exemplo, foram assentadas com parte da areia inerente ao processo de filtragem da cerveja”, diz Gouveia. Segundo ele, vários itens foram reaproveitados, como os barris que são os “dutos” de ar condicionado do salão, não só pelo apelo estético, mas também pela grande capacidade de carga de sua forma.
Conclusão
Ao trazer estes exemplos, o objetivo é mostrar que devemos os nossos projetos arquitetônicos considerando os aspectos locais de clima, disponibilidade de materiais e recursos e questões culturais. A intenção é mostrar que se fizermos análises do nosso entorno, podemos aproveitar o sol, vento, chuva e paisagem para que os ocupantes dos nossos edifícios tenham mais conforto, melhor qualidade de vida de vida e que nosso edifício não seja um gasto energético por 30 anos e nem esteja destoando do seu entorno.